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Domínio público e o caso de Graciliano Ramos

Por: Antônio de Andrade* 

graciliano ramos
Graciliano Ramos (1892-1953). Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Graciliano_Ramos,_1940.tif 

Recentemente, um caso relacionado ao conceito de domínio público ganhou destaque nas mídias: o do autor Graciliano Ramos.

Todas as obras do autor brasileiro, conhecido principalmente pelos romances Vidas Secas e Memórias do Cárcere, passaram para domínio público.

Mas o que isso quer dizer?

 Memórias Do Cárcere Graciliano Ramos
Memórias do CárcereLivraria José Olympio Editora. 1953, 1ª edição.

 

Bem, primeiramente, é preciso entender o conceito de domínio público, e que cada país pode criar leis específicas para os diferentes tipos de obra. 

Para a legislação brasileira, o domínio público é uma condição jurídica aplicável a obras intelectuais, artísticas e criações científicas, cujos direitos patrimoniais passam a pertencer a entidades de direito público, como a União, estados e municípios, destinando-se ao uso comum.

Basicamente, isso significa que quando uma obra passa para o domínio público, os seus direitos patrimoniais deixam de vigorar, o que implica a liberação irrestrita de seu uso, desde que sejam preservados os direitos morais dos(as) autores(as).

Pela lei brasileira de direitos autorais (Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998), as obras ainda têm garantida a proteção de seus direitos patrimoniais por 70 anos contados a partir da data de morte do autor. Assim, no dia 1 de janeiro do ano posterior ao que completaram-se 70 anos do falecimento, as obras passam para o domínio público.

Com isso, desde o dia 1º de janeiro de 2024, os direitos patrimoniais sobre as obras de Graciliano Ramos foram revogados, colocando-as definitivamente em domínio público. Desde então, a Record, detentora dos direitos de publicação do autor por vários anos, perdeu sua exclusividade, e diversas outras editoras passaram a editar as obras, que também poderão ser exploradas de outras formas (por exemplo, adaptações audiovisuais) sem que seja necessário pagar valores relativos aos direitos autorais.

 

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Vidas Secas. Edição comemorativa de 80 anos. Editora Record. 1ª edição, 2018.

 

Contudo, a questão pode ser motivo de disputas judiciais. Isso porque existem editoras preparando a publicação de obras que, ainda em vida, o autor deixou expresso o seu desejo de que não fossem publicadas – situação que tange os direitos morais, esses imprescritíveis, mas para a qual não há uma definição precisa sobre o direito ou não de publicação, mesmo que se encontrem sob domínio público. É o caso dos poemas e textos assinados sob pseudônimos. Os herdeiros de Graciliano contestam então o direito de as editoras usufruírem das obras para fins comerciais sem os pagamentos relativos aos direitos autorais, bem como a atitude de publicar trabalhos que o autor não desejava ver publicizados.

 

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Vidas Secas. Editora Principis. 1ª edição, 2024.

 

Anteriormente, imbróglios envolvendo autores como Machado de Assis e Monteiro Lobato também provocaram profundas discussões sobre os limites do direito patrimonial, intelectual e moral dos autores e das derivações não autorizadas de seus trabalhos, demonstrando a força de influência que o domínio público exerce sobre os direitos de publicação de obras, especialmente as que se tornam cânones, seja por sua importância literária, histórica, cultural, científica ou política.

Fato é que certas obras adquirem tamanha importância que são elevadas ao patamar de patrimônio nacional a ser usufruído livremente por todos os cidadãos, conforme argumentam autores que defendem a função social do direito autoral, respaldada pela lei brasileira. 

Nesse sentido, no Brasil, desde 2004 o “Portal Domínio Público”, disponibiliza obras cujos direitos patrimoniais não mais se encontram sob proteção legal. No portal, além de obras literárias de autores nacionais e estrangeiros, é possível encontrar dissertações, teses, músicas e vídeos. 

Trata-se, portanto, de uma ferramenta que pode ser extremamente útil, seja para as pessoas que realizam pesquisas com autores e obras em domínio público, seja para aquelas que apenas buscam obras de seu interesse para download gratuito de forma legal. Por isso, vale a pena conferir o vasto acervo disponibilizado gratuitamente através do link: www.dominiopublico.gov.br.

Quanto ao futuro das obras de Graciliano Ramos, resta-nos aguardar e acompanhar as próximas decisões envolvendo o caso, que podem representar um “fato novo” no embasamento para futuras decisões judiciais envolvendo direitos autorais no Brasil. Para entender melhor a questão, recomendamos também o episódio do podcast do Publishnews que tem o assunto como tema: https://www.publishnews.com.br/materias/2024/02/05/podcast-do-publishnews-306-graciliano-ramos-e-dominio-publico.

Fontes: 

https://www.publishnews.com.br/materias/2024/01/04/obras-de-graciliano-ramos-e-jorge-de-lima-entram-em-dominio-publico 

https://www.band.uol.com.br/noticias/jornal-da-band/videos/familiares-de-graciliano-ramos-contesta-dominio-publico-de-obras-17217144 

https://www.migalhas.com.br/coluna/pi-migalhas/258737/o-dominio-publico-e-a-liberdade-de-uso-de-obra---revisando-o-caso-machado-de-assis 

https://colecionadordesacis.com.br/2019/09/29/a-ocupacao-do-sitio/ 

https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3314 

https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/01/O-Dominio-Publico-no-Direito-Autoral-Brasileiro.pdf 

*Antônio de Andrade é revisor-chefe da Editora UEMG e atua também como colaborador da Livr_: Impressões, projeto de publicações independentes criado em 2021. 

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