Por: Amanda Rabelo Chaves*
Segundo dados do Instituto DataSenado (2023), 3 em cada 10 mulheres já foram vítimas de violência doméstica. Nessa mesma pesquisa, 73% das mulheres entrevistadas acreditam que um dos fatores que levam as vítimas a não denunciarem esses crimes é o medo do agressor. O 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024), por sua vez, aponta que entre 2022 e 2023 houve um aumento de 6,5% nos casos de estupros no Brasil, com 83.988 casos registrados.
Esses dados, além de nos alertarem sobre a situação drástica de violência e desigualdade de gênero que existe no Brasil, nos fazem refletir sobre os casos que não são reportados. Afinal, relatórios como esses só podem ser elaborados com base em denúncias que se concretizam, mas, como o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública afirma no seu anuário (2024, p. 163) é “comum ouvir relatos de vítimas que se dirigem à delegacia de polícia para denunciar uma violência sexual e são desincentivadas pelos policiais a prestarem queixas”.
Logo, se a própria polícia não se compromete em ajudar as vítimas em casos de violência, o que acontece com mulheres em cidades pequenas que não têm Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM)? Infelizmente, elas são deixadas no silêncio.
O silenciamento permeia muitas relações sociais, e no livro "Histórias de luta: narrativas de mulheres e o enfrentamento da violência de gênero", recém-publicado pela EdUEMG, a autora Érika Amorim discute como o silenciamento de crimes contra as mulheres é prevalente em cidades de pequeno porte, como Carangola, em Minas Gerais. Através da exposição de dados e dos relatos de dez mulheres, a autora nos traz importantes reflexões que abrangem não só a violência sexual, mas também a violência psicológica, moral, física, entre outras. Esses relatos dão uma perspectiva de como o patriarcado e as relações de opressão intrínsecas à sua estrutura permeiam o funcionamento da sociedade.
Entender o que de fato é o patriarcado é um passo importante na compreensão de como relações desiguais se formaram na sociedade. Segundo True (apud Kandiyoti; Hunnicutt; Mies, 2018, p. 35, tradução nossa): “O patriarcado é um padrão de arranjos sociais que são baseados em negociações de mulheres e homens ou ’barganhas’ definidas em contextos institucionais e estruturais que reforçam a hierarquia de gênero”.
Essa estrutura era especialmente percebida na cidade de Carangola, onde a autora aponta que:
o poder patriarcal se instituía compondo uma espécie de cadeia hierárquica de dominação iniciada pelo poder político estadual, que, por sua vez, refletia na organização municipal e nos chefes locais e desembocaria nos espaços privados, no qual o homem, como o patriarca, subjugava as mulheres ao seu domínio, controle e violência (Cheim, 2024, p. 25).
Manter mulheres silenciadas sobre as violências que sofrem é uma maneira de a sociedade não só conservá-las sob o domínio patriarcal, como de deixá-las mais suscetíveis a outros tipos de crimes. Como a própria autora afirma: “[...] as relações interpessoais reforçam a posição de dominação simbólica masculina, fazendo com que haja o silenciamento das agressões por parte das mulheres” (Cheim, 2024, p. 16). O silenciamento, dessa maneira, passa a ser uma estratégia para a permanência de estruturas patriarcais dominantes.
Com isso, temos que as histórias compartilhadas pelas dez mulheres são uma maneira de trazer à tona problemas reais que nos permitem ter uma noção do enraizamento da violência de gênero em contextos muitas vezes ignorados, como ocorre em cidades de pequeno porte. A história oral desenvolvida pela autora nesta obra, portanto, constitui “um processo de significações e ressignificações de suas memórias” (Cheim, 2024, p. 36).
É fundamental que a violência contra a mulher continue a ser um assunto abertamente discutido e, para isso, trabalhos científicos como o da Érika Cheim demonstram a vastidão de um problema.
Assim, convidamos todos(as) para visitar essas histórias e participar, como leitores, do processo de significação das memórias dessas mulheres. O livro pode ser acessado diretamente pelo link: bit.ly/acesse-historias-de-luta.
Referências:
CHEIM, Érika Oliveira Amorim Tannus. Histórias de luta: narrativas de mulheres e o enfrentamento da violência de gênero. Belo Horizonte: Editora UEMG, 2024.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024. Disponível em: https://bit.ly/4dV0CQZ. Acesso em: 18 jul. 2024
INSTITUTO DE PESQUISA DATASENADO; SECRETARIA DE TRANSPARÊNCIA. Pesquisa DataSenado: Pesquisa nacional de violência contra a Mulher. [S.l.]: Senado Federal, 2023. Disponível em: https://bit.ly/3yNaQDW. Acesso em: 18 jul. 2024
TRUE, Jacqui. Feminist Second Image Theorizing of International Relations. In: PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui. Revisiting Gendered States: Feminist Imaginings of the State in International Relations. 9. ed. EUA: Oxford University Press, 2018.
*Amanda Rabelo Chaves é estudante na Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG), onde estuda Tradução Português-Inglês desde 2022. É natural do estado de São Paulo, mas se mudou para Belo Horizonte em 2017 para estudar na PUC-MINAS, onde se formou em Relações Internacionais.