Por Sofia Santos*
No último mês, a realização da COP29 (Conferência das Partes ou Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), no Azerbaijão, deu ainda mais destaque a um tema que tem se tornado cada vez mais recorrente na imprensa nacional e internacional: a necessidade de preservação do meio ambiente e o incremento de ações de sustentabilidade. Essas ações, com vistas principalmente a desacelerar o aquecimento global e seus impactos, são de suma importância para garantir o bem-estar às gerações futuras de todas as espécies, e deveriam ser discutidas não apenas em eventos como a COP, que reúne líderes globais, mas também diariamente em ambientes políticos, espaços públicos e privados, como nas escolas, nos centros de pesquisa, nos pontos de cultura e nas associações comunitárias etc.
Há um setor, contudo, em que o desafio da sustentabilidade se embaralha com questões como vaidade e desejo, personalidade e status, efemeridade e pertencimento, dentre outras. Trata-se da moda, conceito que, além de ser uma forma de expressão, cultura e comunicação, é também peça importante no campo econômico, movimentando grandes quantias de dinheiro, gerando renda e empregos em diversos setores da indústria e fomentando a criatividade e a inovação.
A indústria da moda tem sido apontada como uma das mais poluidoras do mundo há algum tempo. Em 2022, um texto da Rádio Agência (Luz, 2022) destacou que, de acordo com um levantamento feito pela Global Fashion Agenda, o setor ocupava o segundo lugar nesse ranking, ficando atrás do setor petrolífero. Já no texto publicado pelo Modefica (Colerato, 2021), estima-se que esteja em quinto lugar, com a pecuária assumindo uma posição mais prejudicial. Nesse caso, levou-se em conta a complexidade percebida na cadeia produtiva, formada por empresas que não se limitam a atender à produção de vestuário. Fica clara a necessidade de outras pesquisas que elucidem ainda mais esse horizonte intrincado.
Porém, independentemente do lugar que ocupa nessa lista indesejada, é incontestável o grande impacto ambiental na produção das roupas, calçados e acessórios que usamos no dia a dia. Vestir-se é uma questão de dignidade e necessidade para os corpos humanos, e, por isso, é essencial que o caminho que leva ao produto final e ao seu descarte seja traçado e retraçado constantemente. Além disso, é preciso repensar a lógica de consumo: a brevidade das tendências que estão presentes na moda tem sido impulsionada ainda mais pelos algoritmos (Assunção, 2022), principalmente nas fast fashion (“moda rápida”) ou ultra fast fashion, em que uma chuva de influencers viraliza objetos de desejo a todo momento e que logo se tornam obsoletos. Tudo isso se converte num ciclo que aumenta a descartabilidade de peças, que podem demorar anos e até séculos para se decompor, especialmente se forem feitas de material sintético. Ademais, cabe mencionar aspectos como a poluição e a contaminação geradas na fabricação de insumos têxteis, como algodão e couro; problemas sociais, como as recorrentes denúncias de trabalho análogo à escravidão, a falta de valorização e inclusividade para os diferentes corpos, raças e classes, a rigidez dos padrões de vestimenta para cada gênero, entre outros fatores. Apesar de as vestimentas serem algo tão presente no cotidiano e no imaginário, a falta de transparência sobre a cadeia produtiva tem sido apontada como o principal impedimento para que o setor da moda seja menos poluente (Matos, 2024).
Percebe-se que não faltam obstáculos para alcançar a desejada sustentabilidade, mas ajustar a formação dos futuros profissionais do setor de moda e vestuário é uma possibilidade promissora. O Brasil conta com diversos cursos técnicos e superiores referentes a essa área, e incluir, na estrutura dos cursos, disciplinas que tratem dos problemas elencados neste texto abre espaço para que se discutam os cenários de passado, presente e futuro. Além disso, é estímulo à inovação por meio não só do resgate de antigas técnicas, mas também da introdução de novas tecnologias. A questão da reciclagem também propicia desafios com uma riqueza de oportunidades de criação aos estudantes. Por fim, semear pensamentos que considerem a inclusão, a diversidade, as cadeias justas de trabalho, a produção e o consumo local também é uma forma de estimular o desenvolvimento com menos impactos negativos.
Muitas dessas iniciativas já estão presentes no pensamento de docentes e pesquisadores/as de moda. O livro “Sustentabilidade e ensino de moda: somos parte do problema ou da solução?”, de Sandra Maia Rodrigues Pereira é um exemplo disso. Lançado pela Editora UEMG em novembro de 2024, a obra se aprofunda acerca do ensino de moda no Brasil sob uma perspectiva socioambiental, além de apresentar um histórico nacional desse campo de estudo.
Em 2025, a COP30 será realizada no Brasil, em Belém (PA), e servirá como um estímulo a mais para lembrar que aliar moda e sustentabilidade não é apenas uma necessidade em tempos de emergência climática, mas também oportunidade de inovação, desenvolvimento e qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.
Referências:
LUZ, Solimar. Indústria da moda é a segunda mais poluidora do mundo, aponta estudo. Rádio Agência. Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2022-10/industria-da-moda-e-segunda-mais-poluidora-do-mundo-aponta-estudo. Acesso em: 21 nov. 2024.
COLERATO, Marina. A Moda NÃO É a Segunda Indústria Que Mais Polui o Meio Ambiente. Modefica. 2021. Disponível em: https://www.modefica.com.br/moda-segunda-industria-poluente-sustentabilidade/. Acesso em: 21 nov. 2024.
ASSUNÇÃO, Luxas. Vale tudo pelo like? Como a nova lógica das redes sociais tem influenciado a moda. Vogue. 2022. Disponível em: https://vogue.globo.com/moda/noticia/2022/10/vale-tudo-pelo-like-como-a-nova-logica-das-redes-sociais-tem-influenciado-a-moda.ghtml. Acesso em: 21 nov. 2024.
MATOS, Thais. Falta de transparência na cadeia é maior entrave para moda ser sustentável. Ecoa, 2024. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2024/03/27/moda-sustentavel.htm. Acesso em: 26 nov. 2024.
*Sofia Santos é designer formada pela Escola de Design da UEMG, com pós-graduação em Comunicação Estratégica pela PUC-Minas. Servidora efetiva da universidade, atuou por vários anos na Assessoria de Comunicação e atualmente trabalha na Editora UEMG.