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Gênero e edição: dados sobre o cenário da América Latina

Por Antônio de Andrade* e Sofia Santos**

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A instituição de datas como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência – comemorado em 11 de fevereiro –, e de distinções, como o Prêmio Mulheres e Ciência – concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, são iniciativas de grande importância para fomentar transformações mais reais e profundas na sociedade e no imaginário das relações de gênero.

Mas e no universo editorial? O que podemos perceber sobre as relações de gênero nesse mercado de trabalho?

Como ponto de partida, podemos dizer que as mulheres sempre atuaram como importantes agentes da área de edição, como escritoras, jornalistas, críticas, revisoras, tradutoras, editoras etc. Valendo-nos das palavras do prefácio de Ana Elisa Ribeiro para o livro Mulheres que editam (2023), a história das mulheres na edição poderia ser definida como uma história de “falsas ausências”.

Com os avanços nas discussões e políticas de igualdade de gênero, muita coisa mudou nos últimos anos. Cada vez mais as mulheres ganham visibilidade em áreas que antes vedavam a sua participação “oficial”. Ainda assim, para qualquer discussão relacionada a esse tema, é fundamental contar com pesquisas que apresentem dados para entendermos a real situação do que buscamos analisar.

Nesse sentido, o livro Participación de las mujeres en el sector editorial latinoamericano (2024), escrito por Daniela Szpilbarg e Ivana Mihal e publicado pelo Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina y el Caribe, traz uma diversidade de dados, provenientes de diversos estudos, sobre a atuação de mulheres no mercado editorial, enfocando diferentes países do continente americano.

É citado, por exemplo, o estudo Género y creatividad: progresos al borde del precipicio, realizado pela Unesco em 2021, que compila informações de 23 países sobre a igualdade de gênero em setores culturais e criativos e aponta que as mulheres representam 60% da força laboral, especialmente nas áreas de livros e imprensa, formação e capacitação cultural.

Contudo, infelizmente, isso não significa que as desigualdades salariais tenham sido superadas. O que o estudo apurou é que, em geral, os empregos de mulheres do setor tendem a se dar em caráter de atuação autônoma, com contratos curtos e temporários.

Outra análise, apresentando dados da Colômbia, mostrou que, embora os cargos do setor editorial neste país sejam majoritariamente ocupados por mulheres, os homens têm maior estabilidade: 52% trabalham sob contrato de trabalho; já entre as mulheres esse percentual cai para 46,78%.

Assim, após uma breve contextualização da realidade de diferentes países, em um segundo momento, o livro apresenta os dados obtidos por meio da aplicação de questionário respondido por 278 editoras, presentes no Chile, Peru, Colômbia, Argentina e Guatemala.

Em 15,6% das editoras analisadas, não havia nenhuma mulher ocupando cargos diretivos. Observou-se também que em 63,3% das editoras menos da metade dos funcionários efetivos são mulheres, e que quanto maior o número de funcionários menor é a proporção de mulheres, condição que se repete quando se analisa a proporção de mulheres ocupando cargos diretivos.

Dentre os países analisados, o Chile se destaca por possuir proporcionalmente mais mulheres com posições efetivas e cargos diretivos entre as editoras, sendo seguido, respectivamente, pela Argentina e pela Guatemala.

Após apresentar outras séries de dados obtidos por meio de pesquisas e questionários aplicados às editoras de países da América Latina, o estudo aponta algumas conclusões que julgamos interessantes de se destacar.

Primeiramente, desde o início do século XXI, observa-se uma maior visibilidade das mulheres em diferentes cargos no universo da produção de livros. Uma importante mudança foi o aumento da sua participação em cargos com poder de influência sobre decisões editoriais em editoras de grande porte. Além disso, há de se ressaltar o aumento na aceitação, tradução e premiação de obras publicadas por mulheres no mercado editorial global e o aumento da criação de editoras de pequeno e médio porte, nas quais as mulheres ocupam, majoritariamente, os cargos diretivos.

Outro fator que se desenha de modo mais claro é o aumento da presença de mulheres no mercado editorial, seja em cargos efetivos ou atuando como autônomas. Isso, porém, não alterou significativamente o fato de receberem remunerações proporcionalmente menores às que recebem homens ocupando funções equivalentes e de enfrentarem maiores dificuldades para alcançar cargos diretivos.

Assim, esboçam-se algumas possíveis linhas de investigação para aprofundar os estudos sobre o tema.

Promover análises sobre as condições de trabalho e de seguridade social oferecidas às mulheres que atuam no segmento, especialmente considerando os níveis de informalidade no exercício de funções de redação, revisão, tradução etc. seria uma dessas linhas de investigação, entre as várias mencionadas.

Outra seria promover estudos sobre as brechas existentes nas legislações dos países para que discrepâncias salariais baseadas no gênero sejam mantidas.

Por fim, ainda é mencionada a possibilidade de se estudar a existência de novas políticas de editoração nas casas editoriais, especialmente nas que vêm sendo criadas nos últimos anos, em que predominam equipes dirigidas majoritariamente ou exclusivamente por mulheres.

Naturalmente, os estudos apresentados no livro, limitados a alguns países latino-americanos, não podem ser generalizados para todo o universo editorial, que é diverso e plural em cada região e cultura.

Contudo, a continuidade de estudos e análises de gênero é fundamental para entendermos o quanto de fato ainda é necessário avançar para que as mulheres tenham não só a possibilidade de exercer suas competências em cargos de todos os níveis, mas também a garantia de igualdade de direitos salariais e contratuais e de influência sobre decisões editoriais.

Então, se você quer contribuir para o avanço dessa discussão, compartilhe este texto com colegas que estão engajados no tema!

 

Referências

SZPILBARG, Daniela; MIHAL, Ivana. Mujeres en el secto editorial – Investigación piloto en cinco países: Argentina, Chile, Colombia, Guatemala y Perú. 1. ed. Bogotá: Cerlalc, 2024.

RIBEIRO, Ana Elisa. Prefácio. In: CASTRO, Cecília; RIBEIRO, Ana Elisa; COUTINHO, Samara. Mulheres que editam. 1. ed. Belo Horizonte: Entretantas, 2023.

 

* Antônio de Andrade é revisor-chefe da Editora UEMG e idealizador da Livr_: Impressões, projeto de publicações independentes criado em 2021.

** Sofia Santos é designer formada pela Escola de Design da UEMG, com pós-graduação em Comunicação Estratégica pela PUC-Minas. Servidora efetiva da Universidade, atuou por vários anos na Assessoria de Comunicação e atualmente trabalha na Editora UEMG.

 

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