Por: Abraão Filipe Oliveira*
Existe uma frase muito famosa, atribuída ao químico Antoine-Laurent de Lavoisier, que diz: “na natureza, nada se cria, nada se perde; tudo se transforma”. No contexto das relações sociais e das inovações tecnológicas, parece não ser diferente. Hoje, são muitas as transformações em curso. Se na virada do milênio, muito se aventava sobre o fim dos livros, que o livro impresso não teria mais valor ou que as publicações físicas em geral perderiam força, é possível perceber que a leitura e a literatura seguem firmes e fortes.
Atualmente, vislumbram-se a reinvenção dos gêneros literários na contemporaneidade – com fenômenos como a autoficção (Purificação, 2024) e a ficção de cura (Ayala; Pinto; Budag, 2024) –; a expansão das publicações inspiradas pela noção de “escrevivência” (Purificação, 2024); a popularização dos BookToks – os produtores de conteúdos sobre literatura no TikTok, plataforma cada vez mais consumida no Brasil (Karhawi; Iossi; Fernandes, 2024) –; e a consolidação dos formatos digitais** no cenário editorial.
Ao lado desses fenômenos, temos observado outro importante aspecto que demonstra o vigor do mercado literário: os inúmeros eventos, feiras e festivais realizados por todo o país.
Aqui, pela limitação do espaço, pretendemos explorar apenas algumas dentre as principais programações literárias que aconteceram nos últimos meses, em todas as regiões do Brasil.
A primeira delas é a 22ª Bienal do Livro do Rio de Janeiro, ocorrida recentemente, de 12 a 22 de junho. De acordo com a organização da feira, circularam mais de 740 mil pessoas entre os dias do evento, um número recorde entre todas as edições, com um aumento de 23% em relação ao registrado em 2023 (600 mil pessoas).
A Bienal foi realizada no centro de convenções do Riocentro, a área total do evento abrangia 130 mil metros quadrados. A proposta deste ano foi implantar um “Book Park”, uma espécie de parque literário que unia as possibilidades tecnológicas, a interatividade e as experiências sensoriais para uma imersão nas histórias dos livros. Dentre as pessoas que passaram pelos pavilhões, 130 mil eram estudantes de escolas públicas e aproximadamente 1.850 eram autores(as).
Já o volume de vendas de livros foi de 6,8 milhões de exemplares, também 23% maior do que em 2023. Segundo informações do PublishNews, as editoras atingiram números recordes de faturamento, em alguns casos chegando a 100% de crescimento em comparação com a última edição (Sobota, 2025).
Também na cidade do Rio de Janeiro, em novembro do ano passado, aconteceu a 14ª Festa Literária das Periferias – Flup. Com o tema “Roda a saia, gira a vida” e homenageando a intelectual Beatriz Nascimento, a edição buscou fazer um encontro de diversas vozes da literatura nacional e internacional, a fim de debater as principais questões das periferias do Brasil e do mundo, a partir do olhar de quem habita as margens “regionais, climáticas, raciais, étnicas e de gênero” (Flup, 2024, [n. p.]).
O festival já passou por diversos locais do Rio ao longo das treze edições e, em 2024, foi realizado no Circo Voador, espaço cultural localizado no bairro da Lapa. O encontro proporcionou debates, mesas literárias, oficinas, shows, rodas de samba, apresentações artísticas e diálogos intergeracionais. A Flup diz, na apresentação institucional disponível no seu site, que sua missão é justamente “propor outras experiências literárias, por isso atua em territórios periféricos abrindo caminhos para que livros, ideias e experiências antes à margem cheguem mais longe” (Flup, 2024, [n. p.]).
Nessa seara, outro evento importante é a 12ª Festa Literária Internacional de Cachoeira – Flica. Ela ocorre anualmente, no mês de outubro, nessa histórica cidade situada na região do Recôncavo Baiano. Na edição de 2024, houve um recorde, com a participação de mais de 100 mil pessoas entre os quatro dias da programação. A equipe organizadora destaca, ainda, o êxito para a geração de emprego e a ocupação hoteleira máxima em Cachoeira e região (PublishNews, 2024). Uma vez por ano, o festival se concentra em receber artistas, escritores e poetas, tornando-se um ponto de encontro para uma imensidade de nomes que celebram a palavra e têm feito a Flica marcar o seu espaço no circuito nacional, sobretudo fora do eixo Rio-São Paulo.
Além disso, outras programações têm aparecido para se juntar à lista, como a Festa da Palavra, em Conceição da Barra (ES), a FliConquista – Feira Literária de Vitória da Conquista, na Bahia, a Fliti – Feira Literária de Tiradentes, em Minas Gerais, entre outros exemplos. Enfim, a relação é longa e muitos festivais poderiam ser citados.
Outro ponto que não pode ser esquecido são as feiras realizadas no contexto das editoras universitárias, tanto as presenciais quanto as em formato digital. Esses eventos são importantes para os encontros de divulgação dos catálogos, a disponibilização de títulos a preços acessíveis, a promoção da bibliodiversidade e a aproximação entre universidade e sociedade. No último ano, tivemos as feiras da UFMG, da UFF, da UnB, da Unesp, da USP, da UFPR, da UFSC e a Feira Pan-Amazônica do Livro, entre outras.
A Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU) marca presença na maioria dessas mostras, disponibilizando estandes para as instituições associadas e fortalecendo a circulação da produção acadêmica e científica no cenário editorial nacional. Ademais, a Editora UEMG busca participar de quase todos os encontros que ocorrem na modalidade virtual.
Por fim, citamos a Feira do Livro de acesso aberto, promovida pela própria EdUEMG, que já organizou duas edições. Nesse aspecto, é importante destacar seu caráter inovador por ser uma feira de conteúdo 100% focada em obras de acesso aberto para download gratuito dos livros, colaborando fortemente para democratizar o conhecimento produzido pelas editoras universitárias brasileiras.
Esse conjunto de eventos, cada dia mais consolidados, parece demonstrar que os livros – ou, indo um pouco além, a experiência da leitura e da circulação da palavra – continuam tendo vigor em nosso país. Em geral, pessoas de diferentes faixas etárias estão se reunindo para ler, discutir sobre as obras e pensar nas possibilidades transformadoras que os livros podem provocar. Podemos ressaltar, ainda, o fato de esses eventos estarem se mostrando frutíferos em todo o território brasileiro, em diferentes regiões do país – um movimento que pode colaborar não só para ventilar o mercado editorial, mas também pluralizar perspectivas editoriais. E, assim, os sentidos e significados do que é ser uma pessoa escritora e/ou uma pessoa leitora, no Brasil, bem como os sujeitos que participam dos fluxos do universo editorial, estão em constante transformação. Sigamos festejando com boas leituras!
Referências
AYALA, Lilian Crepaldi de Oliveira; PINTO, Fernanda Iarossi; BUDAG, Fernanda Elouise. Healing books: repercussões digitais sobre narrativas enredadas em espaços da/na cidade “que curam”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 47., 2024, Balneário Camboriú. Anais [...]. Balneário Camboriú: Intercom, 2024. Disponível aqui. Acesso em: 18 jul. 2025.
FLUP – Festa Literária das Periferias. Disponível aqui. Acesso em: 18 jul. 2025.
KARHAWI, Issaaf; IOSSI, Sarah Sofia Szabó; FERNANDES, Carla Montuori. BookTok: o papel dos criadores de conteúdo do TikTok no estímulo à leitura no Brasil. Revista Eco-Pós, [S. l.], v. 27, n. 2, p. 163-190, 2024. DOI: 10.29146/eco-ps.v27i2.28273. Disponível aqui. Acesso em: 18 jul. 2025.
PUBLISHNEWS. Flica 2024 supera edições anteriores em número de público, geração de emprego e ocupação hoteleira. PublishNews, Redação, 28 out. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 18 jul. 2025.
PURIFICAÇÃO, Caroline da Conceição Barbosa da. Escritas de si, escritas de nós: a tensão entre autoficção e escrevivência na literatura contemporânea. 2024. 95 f. Dissertação (Mestrado em Literatura e Cultura) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2024. Disponível aqui. Acesso em: 18 jul. 2025.
SOBOTA, Guilherme. Bienal do Livro Rio 2025 recebeu 740 mil pessoas. PublishNews, 23 jun. 2025. Disponível aqui. Acesso em: 18 jul. 2025.
*Abraão Filipe Oliveira é bacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e mestrando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea, na linha de pesquisa Comunicação, territorialidades e vulnerabilidades, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, é bolsista Fapemig, atuando como comunicólogo na equipe da EdUEMG.
**Esse aspecto é evidenciado pelos resultados das últimas edições da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro. Sobre isso, confira aqui. Pretendemos publicar mais textos aqui no blog sobre os dados da Pesquisa divulgados recentemente.